Gilberto Rodrigues – Sobre o Conflito em Gaza

25 julio 2014

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Entrevista de Gilberto Rodrigues para a jornalista Giselda Braz, Caderno Especial “Entenda o conflito mais sangrento do Oriente Médio e a opinião de especialistas”, Jornal A Tribuna, 20/07/2014.

Publicado en: http://atdigital.com.br/analiseinternacional/2014/07/sobre-o-conflito-em-gaza/

Qual a interferência do atual conflito entre Israel e Palestina na situação de instabilidade do Oriente Médio? 
A estabilidade do Oriente Médio está ameaçada por uma série de conflitos concomitantes: Síria, Iraque e agora o acirramento entre Israel e o Hammas em Gaza. A soma de todos eles coloca a região num estado de fragilidade sem precedentes.
Como o sr. vê a reconciliação do Hamas com o Fatah? 
O Hamas tenta sobreviver. Perdeu o apoio da Síria e do Egito, pois apoiou grupos insurgentes que foram derrotados pelos governos sírio e egípcio. O Irã não apoia mais incondicionalmente o Hamas. Em razão dessa situação de isolamento, o Hamas decidiu se reconciliar com o Fatah, que governa a Autoridade Nacional Palestina. Esse novo acordo entre os dois partidos é uma das principais razões dos ataques israelenses, que não querem que o Hamas tenha presença fora de Gaza.
Faltava um mediador. Agora o Egito entra no contexto com este papel. É possível uma paz duradoura entre Israel e Palestina?
O Egito deixou de ser um mediador confiável, nem os EUA confiam no atual governo egípcio. O país sempre terá algum papel, pela situação de fronteira e pelo poder militar, mas deixou de ser preponderante. O cenário está aberto a novos mediadores, inclusive de fora da região.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, já pediu à ONU que coloque a Palestina sob proteção internacional. Isso é possível? Como funcionaria?
Proteção internacional sob o mandato da ONU poderia ser tanto criar uma zona desmilitarizada quanto a aprovação de uma missão de paz, armada, para a região, ou ambas. Mas isso é praticamente impossível, pois depende da aprovação do Conselho de Segurança da ONU, e os EUA exerceriam seu poder de veto, Além disso, Israel não aceitaria, o que é uma condição do direito internacional para esses casos.
A ofensiva atual de Israel contra a Faixa de Gaza foi motivada pelo sequestro e morte de três jovens judeus, ato seguido pelo assassinato de um adolescente palestino. Mas a animosidade entre ambas as partes é histórica. Qual a real razão? É puramente territorial, ou há mais alguma coisa em jogo?
O episódio do sequestro e morte dos garotos é um pretexto, apenas. O que está em jogo é o aumento de apoio internacional em favor da Palestina, por um lado, e o isolamento de Israel, por outro. Além disso, o governo de Barack Obama deu mostras de que não apoia incondicionalmente as ações israelenses. Então o governo de Israel tenta criar um cenário de ameaças à sua segurança, com o argumento de autodefesa, para manter sua estratégia, com ou sem apoio dos EUA. O que, a médio e longo prazo, pode ser insustentável.
Qual sua avaliação sobre o poderio de fogo dos envolvidos no conflito?
O conflito é absolutamente desproporcional. Israel tem uma das forças armadas mais poderosas do planeta, enquanto o Hamas tem um arsenal clandestino de mísseis, cuja capacidade de alcance é mínima. A maioria dos ataques é interceptada pelo sistema antimísseis israelense.
Na sua opinião, por que o Hamas recusou a proposta de trégua?
A relação entre o Hamas e o Egito mudou muito. O aliado egípcio do Hamas era a Imandade Muçulmana, que foi derrubada do poder e foi declarada ilegal pelo novo governo militar eleito do Egito. O presidente egípcio, general Sissi, passou a ser simpático ao governo israelense, então a proposta de cessar-fogo não atende ao interesse do Hamas.
Há risco de Israel fazer uma invasão terrestre?
Uma invasão terrestre traria um custo muito alto para ambos os lados. Os EUA são contra e há divisões dentro do governo israelense sobre essa estratégia. A retórica da ameaça da invasão pode ser uma estratégia para melhorar a posição negociadora de Israel. Mas se ela ocorrer as consequências serão catastróficas em Gaza.
A população israelense apoia integralmente as ações do seu governo contra o Hamas?
O Hamas não é um ator confiável para a população israelense, mas há grandes divisões na opinião pública israelense em relação aos métodos violentos usados pelo governo para massacrar os palestinos em Gaza. Há inclusive um movimento de resistência militar entre soldados israelenses que se recusa a atacar alvos civis. A sociedade civil e as ONGs de direitos humanos tentam protestar, mas são sufocadas e classificadas como antipatrióticas pelo governo. Há muita dificuldade de liberdade de expressão e de ação cívica em Israel quando o assunto é o conflito com os palestinos.